Tornar-se piloto é um sonho para muitos, mas poucos conseguem alcançá-lo. Se você é mulher e foi diagnosticada com uma doença genética grave no nascimento, a estrada é ainda mais árdua. Talvez seja por isso que Rachele Somaschini tenha começado sua jornada épica com eventos de subida de montanha.
DE ONDE VEM SUA PAIXÃO POR CARROS E PELO RALI?
Eu cresci em uma família que estava imersa no mundo do automobilismo. Meu pai sempre foi um grande fã de carros e corridas, a ponto de todas as terças-feiras dirigirmos 10 km para chegar à banca mais próxima em Milão e comprar a revista Autosprint, que só chegava à banca de jornal local na quarta-feira! Quando eu tinha seis anos, meu pai teve a chance de correr com seu amigo Arturo Merzario. Ele correu o máximo que pode, mas seu trabalho sempre atrapalhou – mesmo assim, ele definitivamente passou essa paixão para mim.
SEU INTERESSE PELO MOTORSPORT COMEÇOU QUANDO ERA CRIANÇA?
Com certeza. Eu tinha apenas alguns meses de idade e nem tinha aprendido a andar quando meu pai me deu um carro elétrico que ficava no meio da sala, até que cresci o suficiente para dirigi-lo. Quando eu tinha apenas seis anos de idade, já pilotava meu primeiro quadriciclo 50cc e sempre ia para Monza com meu pai ver o Grande Prêmio. Mas eu estava em uma situação diferente dos outros pilotos, porque tive que esperar e ver como minha doença evoluía. Meus pais tentaram me proteger, então nunca pratiquei kart de verdade, embora tivesse sido uma boa ideia. Foi só quando cheguei à adolescência que ficou claro que minha doença era controlável, permitindo-me levar uma vida relativamente normal. Aos 14, eu estava em um ciclomotor e aos 16 tirei a licença e já estava andando em uma moto 125cc.
COMO VOCÊ REALIZOU SEU SONHO DE SE TORNAR PILOTO?
Assim que eu fiz 18 anos, tirei minha licença de motorista e depois a de corrida em apenas três dias. Entrei na minha primeira corrida em 2013, com o apoio do meu pai e de Arturo Merzario, que foi a histórica Intereuropa Cup em Monza ao volante de um Alfa Romeo Giulietta Sprint Veloce 1967. E, na segunda-feira seguinte, eu tive provas! Na verdade, comecei a universidade, mas este estilo de vida não estava fazendo bem à minha doença, então desisti de me formar. Ao mesmo tempo, comecei a praticar mais esporte – como sugeriram os médicos – e isso também significou poder me concentrar no automobilismo. Três anos depois da minha primeira corrida, entrei no campeonato italiano de subida de montanha para a temporada inteira. Na verdade, eu estava competindo praticamente todo fim de semana, já que eu também participei do Mini Challenge italiano. Foi aí que minha carreira realmente começou.
DEPOIS FOI PARA O RALI: O CAMPEONATO ITALIANO SEGUIDO PELO CAMPEONATO EUROPEU?
Sempre me interessei muito por ralis, então comecei com eventos únicos, para me familiarizar em ter um navegador e ler o seu caderno de notas, então em 2018 surgiu a oportunidade de participar do campeonato italiano, que começou com o Rally del Ciocco. Não foi fácil, mas você sempre tem o desejo de ter sucesso e aos poucos adquirir alguma experiência.
Como resultado, consegui arranjar um programa para o Campeonato Europeu, bem como eventos mundiais. Certamente foi uma experiência educacional, mas toda a situação com a Covid-19 também atrapalhou. Mas eu ainda tentei tirar o máximo de conhecimento que pude.
QUAL É O MELHOR EVENTO DE MOTORSPORT QUE VOCÊ FOI COMO ESPECTADORA?
Isso pode parecer previsível, mas ir a Monza é sempre incrível: especialmente quando eu ia assistir à Fórmula 1 com meu pai. E tive a mesma sensação alguns anos atrás, quando assisti à corrida do DTM em Misano, onde Alex Zanardi participava. Sempre fui um grande fã dele à distância, mas o conheci quando ganhei o título do Mini Challenge. Alex é uma das pessoas que mais me inspira, meu próprio super-herói, e tive a sorte de vê-lo pilotar duas vezes.
O QUE VOCÊ MAIS GOSTA NO RALI?
Gosto do contato com as pessoas e os fãs: o rali é muito mais interativo. E esse é o grande benefício do projeto: #correperunrespiro. É uma iniciativa de caridade que combina minha paixão pelo automobilismo com uma causa que está realmente no meu coração: aumentar a conscientização sobre a fibrose cística e levantar fundos para pesquisas científicas.
QUAL É O MELHOR RALI?
Eu amo o Rali de Monte Carlo: com toda sua história e prestígio. É um evento como nenhum outro: há tantas incógnitas, bem no meio desse cenário espetacular de contos de fadas. Foi minha primeira experiência no Campeonato Mundial de Rali e, apesar da dor e do esforço, mal posso esperar para participar de novo. Talvez minha etapa favorita seja a Argentiera, na Sardenha. Pilotar nela, eu mesma, depois de vê-la por tantos anos na TV como uma espectadora era um sonho: adoro dirigir no cascalho.
QUEM É SEU HERÓI NO RALI?
Um dos meus heróis sempre foi Sebastian Loeb, embora poucas pessoas o conheçam, pois ele tem um caráter um pouco reservado. Minha mulher maravilha, por quem eu tenho muito respeito, é definitivamente Michele Mouton. Conhecê-la este ano no Rali de Monte Carlo foi incrível e ela está sempre tão feliz em dar conselhos e me encorajar. Quando eu tive um problema no Rali da Sardenha e me retirei na primeira etapa, ela parou para me dar um pouco de encorajamento, o que realmente foi um incentivo. É inacreditável pensar que fui sua grande fã quando criança e agora a conheço pessoalmente.
QUAL A SUA OPINIÃO SOBRE O TEMA DAS MULHERES NO MOTORSPORT?
No final das contas, não há divisão real de gênero no automobilismo, já que corremos todos juntos. No começo, acho que ser mulher ajuda, já que atrai um pouco de curiosidade. Mas então, justamente porque você é uma mulher, você precisa provar seu valor ainda mais trazendo resultados. Caso contrário, você não é levada a sério.
QUAL É O SEU SONHO NO RALI?
Apenas acumular mais experiência e habilidade para me ajudar a obter resultados maiores e melhores. Se você me perguntasse há alguns anos, eu diria que meu sonho era participar de uma etapa do WRC. Isso se tornou realidade com meu primeiro Monte Carlo. Sempre quis dar o próximo passo, mas minha doença complicou esta ideia e talvez eu até tenha me apressado de vez em quando. Mas o meu objetivo sempre foi transformar a minha paixão em um verdadeiro trabalho e poder me dedicar totalmente a ele.
O QUE VOCÊ GOSTARIA DE FAZER QUANDO PARAR DE CORRER?
Eu adoraria comandar uma equipe só de mulheres e fazer uma real diferença nesta área. Então eu gostaria de continuar com meu trabalho como instrutora de direção segura, pelo qual sou muito apaixonada, já que me dá a oportunidade de compartilhar e transferir minha paixão e experiência para outras pessoas. Conseguir corrigir os maus hábitos de condução e depois receber agradecimentos da minha equipe é algo que me deixa muito feliz.