Uma família de marinheiros e uma paixão pelo mundo da vela que começou com o pai - capitão do Moro di Venezia I e seu treinador - e se fortaleceu durante os estudos de engenharia e desenvolvimento de barcos.
Clelia Sessa começou a velejar ainda criança, suas primeiras regatas foram em Optimists, passando para o 420, Laser, Melges, Moth e 69F. Desde 2022, faz parte da área de Mecatrônica da equipe Luna Rossa Prada Pirelli, sendo responsável pelos sistemas FCS on-water, onde, explicando de forma simplificada, está encarregada de monitorar os braços (hidrofólios) do AC75, gerenciando um sistema que mistura hidráulica e eletrônica. Em 2024 está em Barcelona, na Espanha, com o resto do time, pronta para a XXXVII America's Cup: o sonho de uma vida também para Clelia.
Velejar é um “assunto de família”. Você pode nos contar sua primeira lembrança disso?
Comecei a velejar aos quatro anos e meio no Lago Maggiore, com o antigo Optimist da minha irmã Valeria, acompanhada por meu pai, como treinador, e por aqueles que mais tarde se tornariam amigos para a vida inteira. Cresci entre barcos, pois minha família é dona de uma Marina em Belgirate e meu pai, na época, era comandante do Moro di Venezia. Eu matava aula para ir velejar com ele sempre que havia um bom vento norte logo pela manhã.
Tenho tantas lembranças maravilhosas de viagens e aventuras, mas também das inseguranças e medos que a vela me permitiu superar. Minha primeira lembrança é de Belgirate. Eu tinha seis anos e estava em treinamento em um barco, a certa altura, começou a ventar bastante e fiquei com muito medo, por isso voltamos para terra firme. Meu pai me disse: “Chegará o dia em que essas condições serão realmente divertidas para você, quer tentar?”. Então peguei meu barquinho, um ITA 6321, e coloquei na água com toda a ousadia e coragem de uma menina de seis anos que acaba de ser desafiada. Ele tinha razão, foi a primeira vez que me diverti tanto entre as ondas e respingos, superando meu primeiro e grande medo.
Como você se juntou à equipe Luna Rossa Prada Pirelli?
Foi Enrico Voltolini (cyclor do Luna Rossa) quem, durante algumas regatas em Mônaco, me incentivou a enviar meu currículo. Alguns dias depois eu iria a Cagliari para uma regata 69F. Por fim enviei e Max Sirena pediu que eu passasse na base para uma breve entrevista. Eu ainda estava cheia de sal, cansada e com roupas sujas, mas não hesitei nem um segundo. Corri para lá, exatamente como estava, e, enfim, aqui estou.
Você consegue descrever um dia típico de preparação e saída para o mar com o Luna Rossa?
Os dias são planejados e estipulados pelo nosso Gerente de Operações, Gilberto Nobili. Ele organiza a programação para poder realizar todas as verificações necessárias, garantindo que o barco esteja em perfeitas condições antes de zarparmos.
Num dia de treino, a primeira coisa que faço é verificar o barco – um AC40 ou AC75. A seguir, realizo uma série de procedimentos para testar os sistemas. Após as horas no mar, compartilho os dados do barco com a equipe e verifico se os sistemas estão prontos para navegar no dia seguinte, certificando-me de que não tenha anomalias, as quais, caso necessário, precisam ser resolvidas. Há muitas coisas para fazer e o nível de atenção deve ser sempre o mais alto possível. Posso garantir que os dias voam.
Quais os principais desafios dentro da área de Mecatrônica?
Os AC75 com os quais temos a sorte de trabalhar são joias da inovação e tecnologia. Os desafios são vários: construímos protótipos únicos com o objetivo de aprimorá-los a cada dia e tornar o barco o mais rápido e eficiente possível em termos de desempenho e sistemas. O maior desafio é sempre buscar a melhoria, mesmo quando você acha que já atingiu um bom nível, seja em termos de desenvolvimento do barco, seja em termos pessoais. A intenção é fazer melhor o seu trabalho todos os dias.
Lemos que os AC75 são “filhos” da mecatrônica. Você pode explicar por quê?
A mecatrônica é a fusão de algumas grandes áreas: hidráulica, mecânica, eletrônica e ciência da computação. Estamos, portanto, lidando com atuações hidráulicas, que, por sua vez, envolvem atuações mecânicas. Anos atrás, o trimmer ajustava a vela mestra ou a buja e o proeiro içava o gennaker ou o spinnaker. Hoje, por meio de um botão, o marinheiro pode requisitar um ajuste e um computador fica responsável por solicitar o acionamento hidráulico e mecânico.
Portanto, a mecatrônica é um mundo novo, que se desenvolveu exponencialmente nos últimos anos e continua a crescer, fato que traz muita motivação para nós que trabalhamos com isso. Estou confiante de que, ao longo dos anos, a mecatrônica se tornará cada vez mais relevante em diversos setores, pelo que serão necessários sistemas cada vez mais complexos, eficientes e seguros.
Quais são as tecnologias e sistemas mecatrônicos mais inovadores?
Procuramos utilizar as mais recentes tecnologias disponíveis, mas é claro que a escolha deve ser ponderada com a necessidade de desenvolver e testar os sistemas. Por isso em determinado momento a pesquisa desacelera e, salvo descobertas revolucionárias, a opção escolhida é aperfeiçoada. De maneira geral, frequentemente trabalhamos fora das especificações de utilização dos produtos. Isso requer processos complexos, às vezes demorados, de personalização e depuração.
Qual é o melhor momento relacionado a Luna Rossa?
É realmente difícil escolher apenas um. É a minha primeira America's Cup: é o sonho de uma vida inteira se tornando realidade. A Clelia que assistia às regatas na TV quando criança não acreditaria. Então você pode imaginar que todos os dias há algo de especial e único que posso guardar entre as minhas lembranças mais preciosas: o lançamento do protótipo LEQ 12 foi de tirar o fôlego, o lançamento do AC75 me fez chorar de emoção, a primeira vez no mar minhas mãos tremiam, quando cheguei em Barcelona não consegui dormir nas primeiras noites porque estava muito animada, no meu primeiro dia de trabalho Filippo, meu noivo, que também é velejador, me acompanhou - ele estava quase mais emocionado do que eu pelo que estávamos enfrentando juntos. Entretanto, talvez o momento mais único e íntimo tenha sido quando, no segundo dia de trabalho em Cagliari, Marco Donati (chefe do departamento de Eletrônica) me fez entrar no AC75 que ele usou para competir em Auckland. Estava vazio naquele momento, mas levantei a cabeça e vi a placa na antepara do barco: dizia Luna Rossa Prada Pirelli. Eu pensei “Oh, meu Deus, estou realmente aqui”.