Imagine se preparar anos para atingir um objetivo que necessita de muito treinamento, planejamento, disciplina, dedicação e da ajuda de outros profissionais. E, mesmo com toda esta mobilização, esforço e foco, você ter que desistir quando estava muito perto de alcançar o resultado esperado. Não há dúvidas que o episódio se tornará um momento de frustração, questionamentos e traumas. Mas será que, de fato, há motivos para desistir?
Esse cenário de frustração foi uma dura realidade para a nadadora Ana Mesquita. Ainda no início da década de 90, ela decidiu que faria a travessia do Canal da Mancha, desafio alcançado por poucos nadadores profissionais de águas abertas. Com pouco mais de 20 anos de idade, ela já tinha bagagem suficiente para encarar o desafio, inclusive a capacidade de enfrentar os medos que a acompanhavam desde o início de sua jornada como nadadora de águas abertas, ainda na adolescência.
Mas, mesmo com toda a dedicação e conhecimento de anos enfrentando os mares braçada a braçada, Ana falhou em sua primeira tentativa. “Apesar de estar muito preparada, naquele dia alguns fatores foram determinantes para tirar minha confiança. O mar estava muito mexido. O barco que me dava apoio parecia que iria se chocar comigo a qualquer momento. Apesar de eu ter passado da metade do percurso, o medo me travou. Não conseguia mais nadar”, relembra Ana.
Na volta ao Brasil, ela decidiu que não iria mais continuar sua trajetória como nadadora de águas abertas. “A frustração era enorme e tentar novamente não estava nos meus planos. Foi algo bem difícil. Eu sonhava com aquele dia e tudo o que se passou. Enfim, não queira falhar novamente”, revela a nadadora.
Ana Mesquita – Crédito: acervo pessoal
Mas o histórico de Ana Mesquita sempre foi o de enfrentar desafios, mesmo com certos fantasmas que a rondavam. Ela conta que, ainda jovem, quando começou a participar de competições em águas abertas, precisou enfrentar outros medos, como o de ser atacada por tubarões ou não ter alguém por perto caso passasse mal durante uma competição. Porém, havia uma vontade ainda maior dentro dela que a fazia continuar. Como ela mesma afirma: “Passei a me apaixonar por este esporte e pelo ambiente que ele traz de cooperação entre os atletas, mesmo sendo uma competição. Então eu ia com medo mesmo”.
Não há dúvidas de que coragem e determinação sempre fizeram parte do perfil de Ana. Pouco tempo depois da frustração no desafio do Canal da Macha, ela foi convidada a participar de uma competição pelo treinador Claudio Plit, nadador argentino que é referência na modalidade em águas abertas com quatro títulos mundiais. Diante do convite, Ana não pensou duas vezes: interrompeu a aposentadoria precoce e voltou aos mares.
Mal sabia ela que ali começava uma nova preparação para tentar, mais uma vez, atravessar o Canal da Mancha. Foram tempos ainda mais difíceis para Ana, pois era preciso enfrentar os medos novamente e também estar dedicada ao planejamento que envolvia patrocinadores e uma logística ideal para que nada desse errado.
Às 5h30 do dia 23 de setembro de 1993, Ana Mesquita dava as primeiras braçadas para o que seria sua maior conquista como nadadora de águas abertas. Depois de 9 horas e 40 minutos, ela completava o percurso de 36 quilômetros e se tornava a recordista latino-americana da travessia. Ela carrega até hoje o recorde e é a 5ª pessoa brasileira a realizar a travessia, sendo a 3ª mulher. “Até hoje sou reconhecida por este feito. Mas é importante ressaltar que tudo isso foi resultado também da busca por se tornar uma pessoa melhor, saber enfrentar os desafios e não desistir. Como dizem para aqueles que conseguem finalizar a travessia do Canal da Mancha, eu estou manchada para sempre”, brinca a nadadora.
Após alcançar seu objetivo, Ana se afastou da natação para realizar outros sonhos. Mas sempre deixou em um cantinho do seu coração o amor pelo esporte e pela natação. Seu exemplo de superação atravessou o mundo, virou até livro: A Travessura do Canal da Mancha. Mas ela já não colocava a natação como algo que voltaria a fazer parte de sua rotina.
Porém, em 2016, Ana decidiu voltar aos mares. Hoje, ela participa de competições e continua a ser exemplo para todos que, em algum momento, colocaram medos e frustrações como barreiras para alcançar seus objetivos. E ela ainda brinca: “Sobre ter receio do mar e medo de ser atacada por tubarões, saibam que eu tenho medo até hoje. Mas eu vou com medo mesmo”.