Há pouco menos de três anos, em setembro de 2013, a New York University deu início a um laboratório de pesquisa chamado Centro de Ciências e Avanços Urbanos. Michael Bloomberg, prefeito da cidade na época, é uma das autoridades mais capacitadas a tratar de vivência urbana, tendo se dedicado a teorizar e moldar uma estrutura que compreendesse a centralidade crescente e renovada das grandes cidades no atual cenário. Quando o ex-prefeito pediu por esse departamento de pesquisa, as universidades e faculdades da cidade sentiram que o chamado era bem claro: Nova York precisava de um campus onde se pudesse estudar Ciências Urbanas Aplicadas e Informática. A meta, de forma clara, era estudar e cruzar referências do grande volume de dados que molda a estrutura de nossas cidades, procurando facilitar os processos que as ajudam a se manter inovadoras.
Essa é uma das razões porque Gregory Dobler, físico mundialmente renomado e especializado em estudos de quasares e buracos negros, trabalha no Centro de Ciências e Avanços Urbanos. Qual a relação entre física e ciência urbana? Dobler e sua equipe alteraram o foco e vem monitorando a expansão e evolução inexoráveis de Nova York a partir de um telhado em Brooklyn. “Em vez de tirar fotos do céu para ver o que ocorre no espaço, estamos tirando fotos da cidade de uma distância que nos permita discernir como ela funciona”, declarou Dobler ao Wall Street Journal. Nova York se apresenta, assim, como um estudo de caso. Mas não só isso: ela é também um paradigma de como as novas tecnologias estão gerando e acelerando os processos de urbanização e transformação nas grandes cidades. A avaliação e reconhecimento dessas dinâmicas nos ajudam a compreender quem estamos nos tornando e o nosso comportamento para o futuro próximo. É difícil alguém questionar que as cidades terão grande impacto sobre o futuro da humanidade.
Vários estudos demonstram que a população urbana vem continuamente crescendo - até pouco tempo atrás, a porcentagem de pessoas vivendo nos centros urbanos havia chegado a metade da população mundial. De acordo com estes estudos, em 2050 essa porcentagem superará os 70%. Atualmente, o mundo é composto de 501 áreas metropolitanas, cada uma com mais de um milhão de habitantes. Até 2030, o número de áreas deve aumentar para 660. É um crescimento sem igual, muito rápido, que prevê mais um milhão de nova-iorquinos nos próximos 20 anos e 2 bilhões de chineses nas suas grandes cidades. Até pouco tempo atrás, a comunicação pelas novas vias tecnológicas levou os estudiosos a acreditarem que a urbanização diminuiria a ponto de as cidades se tornarem obsoletas. Em outras palavras, a necessidade do contato físico com outras pessoas em unidades territoriais se tornaria desnecessário, história. Uma avaliação breve sobre o presente - bem como do futuro, se pensarmos bem - afirma justamente o contrário: as cidades, principalmente as grandes cidades, são as principais forças por trás das mudanças globais, graças à sua capacidade de reunir mentes criativas diferentes e de oferecer espaço para o brainstorming. A centralidade renovada dos grandes centros urbanos está estritamente relacionada ao avanço que essas cidades fizeram em termos de políticas ambientais, mobilidade e qualidade de vida. No passado, como resultado da Revolução Industrial, grandes metrópoles atraíam a população rural por questões financeiras e de subsistências: essas pessoas precisavam de empregos, que podiam ser obtidos na cidade por qualquer preço. Com isso veio a deterioração da qualidade de vida urbana: o estado sombrio e perigoso em que Nova York se encontrava na década de 1970 ou as condições insalubres de Londres na década de 1950 já são lugar comum nas crônicas e nos livros do século passado.
Esse cenário não pode ser deslocado do atual, onde as cidades deixam de ser apenas espaços físicos, mas também onde as pessoas desejam estar. Elas podem dizer que preferem viver em Berlim, mas não na Alemanha, ou mesmo confessar seu amor por San Francisco, embora depois digam que não viveriam no resto dos Estados Unidos. As cidades compõem os principais centros de inovação tecnológica, mas, de acordo com vários insiders, elas também oferecem a melhor reação e resposta à crescente dificuldade dos Estados-Nação de governarem. Isso remete ao ensaio polêmico intitulado “Por que prefeitos deveriam governar o mundo”, do acadêmico nada convencional Benjamin Barber, onde ele prevê que os prefeitos resgatarão o mundo do impasse político generalizado. Recentemente, pelo menos em alguns tópicos, a discussão global entre as grandes cidades e seus governantes resultou no surgimento e desenvolvimento de novos paradigmas. Assim, não é de surpreender que uma organização como a C40 - uma rede global com mais de 80 megacidades compartilhando dados, melhores práticas e objetivos em comum em termos de proteção ambiental, emissões tóxicas, mudanças climáticas e estilos de vida sustentáveis - tenha obtido resultados extraordinários.
É claro que há alguns riscos e contradições nessas cidades em crescimento, e muitos deles dependem do que queremos obter com as inovações tecnológicas. Já há discussões sobre o conceito das cidades inteligentes - áreas já existentes e por surgirem construídas do zero (exemplos podem ser encontrados na Coreia do Sul e na África), onde a disposição ideal de Internet e a completa robotização da dinâmica urbana deverá prever e neutralizar todas as imperfeições das cidades que tenhamos tido conhecimento até o momento. Mas isso não é e nem será o caso, pois isso implicaria no uso da tecnologia de forma previsível e vertical para um contexto social muito maior, que é justamente o oposto da ideia por trás de departamentos de pesquisa como o Centro de Ciências e Avanços Urbanos: unir os avanços e soluções tecnológicas através da interação humana, de forma criativa. Como diria de forma objetiva o pesquisador e consultor inglês Leo Johnson, precisamos de “mais cidadãos inteligentes, não de cidades assim”. Isso resume o desafio e tanto que as grandes cidades enfrentam.