Provavelmente não é de conhecimento geral que o famoso texto Fenomenologia de Mike Bongiorno, de Umberto Eco, que em 1963 se tornou parte da coletânea Diário Mínimo, apareceu pela primeira vez em 1961 na revista de informação e técnica Pirelli, em um artigo intitulado “Em Direção a uma Cultura de Visão?”. Ele fazia parte de uma análise mais ampla da televisão e da cultura, um dos muitos temas culturais e sociais abordados na revista Pirelli. O artigoabordava o perfil do apresentador de televisão Mike Bongiorno, publicado no auge de sua popularidade, quando os telespectadores lotavam os cafés para assistir “Lascia o raddoppia”, o primeiro programa da televisão italiana a se tornar cult. Referindo-se a Bongiorno, Eco escreveu: “Ele não provoca complexos de inferioridade, embora se ofereça como um ídolo, e o público o recompensa, agradecendo-o e amando-o. Ele representa um ideal que ninguém deve se esforçar por atingir porque todos já estão em seu nível”. Como um ícone absoluto do boom econômico da Itália, o mestre de cerimônias ítalo-americano era “o caso mais vistoso da redução do super-homem ao homem comum”, capaz de causar empatia como o portador de “um fascínio imediato e espontâneo explicável por não estar rodeado do menor artifício ou ficção cênica”.
Muito também se disse sobre o papel de Eco no debate sobre a evolução cultural das histórias em quadrinhos na Itália. Suas reflexões em um ensaio originalmente intitulado “Apocalípticos e Integrados”, de 1964, foram retomadas e analisadas pelo próprio Eco três anos depois na revista Pirelli, em “Meditações sobre um Balão”: “Quando publiquei os estudos semânticos sobre as histórias em quadrinhos em Apocalípticos e Integrados, os críticos mais arrogantes disseram que ninguém deveria analisar assuntos tão frívolos com ferramentas normalmente aplicáveis a Kant”. Sobre a massificação dos quadrinhos, ele escreveu: “Os primeiros estudiosos deste fenômeno costumavam se reunir quase em segredo. [...] Agora, como deve ser, teses sobre quadrinhos aparecem em vários institutos universitários, organizam-se conferências e discutem-se comunicações...” Ele cita Corriere dei Piccoli e Mickey Mouse, através de Cocco Bill, Diabolik, Crepax e Walt Disney. Os textos são acompanhados por maravilhosas litografias de Roy Lichtenstein.
“Éramos fãs de quadrinhos. Trabalhávamos principalmente com a memória. Poucos de nós tínhamos coleções em casa. E os que tinham não mostravam aos outros. Ou não sabiam que tinham. Eram encontradas mais tarde, no sótão. [...] Agora, Linus quebrou a barreira. Os quadrinhos agora estão em evidência nacional”. Não é coincidência que, depois de um breve editorial, a primeira edição da Linus em abril de 1965 começou com Eco entrevistando Elio Vittorini e Oreste Del Buono. Basta ler apenas a primeira pergunta que Eco faz a Vittorini: “Estamos discutindo hoje algo que acreditamos ser muito importante e sério, ainda que possa parecer frívolo: as tirinhas de Charlie Brown. Vittorini, como você descobriu o Charlie Brown?”, e se pode perceber como esta entrevista, juntamente com Meditações e o ensaio sobre “Apocalípticos e Integrados”, é, na verdade, um manifesto que eleva as histórias em quadrinhos a uma forma artística e literária reconhecida.
Não se limitou à televisão e aos quadrinhos. A contribuição de Eco para o debate sobre a sociedade e a cultura de massa incluiu também pungentes reflexões sobre os feriados oficiais, como em Protocol 00/03 Lighting Dossier, novamente na revista Pirelli, em 1962. O artigo reconstrói uma troca de correspondências irônica entre os demônios do Malebolge, que foram instruídos a boicotar o Natal: “...com essa atmosfera de festividade e de benevolência geral que acontece naquela época do ano, as celebrações natalinas promovem as relações cordiais, deixando de lado por alguns dias os conflitos internacionais e levando as pessoas a praticarem absurdas ações de boa vizinhança como dar presentes, dobrar os salários dos empregados, e ter conversas civilizadas. Precisamente a fim de evitar estes perigos, pedi ao seu predecessor e agora lhe peço para elaborar um grande plano para a região de Milão, que escolhemos como amostra”.
E novamente sobre o tema do Natal, em 1963, em uma carta para seu filho: “E lhe ensinarei como travar guerras muito complexas, nas quais a verdade nunca está apenas de um lado...” “Mas se por acaso, quando você crescer, ainda existirem as monstruosas figuras de seus sonhos infantis, com bruxas, gnomos, exércitos, bombas e serviço militar obrigatório, quem sabe você já não terá adquirido uma consciência crítica quanto aos contos de fadas e já terá aprendido a atuar criticamente no mundo real?”
A relação de Umberto Eco com a Pirelli continuou além dos anos em que se publicou a revista. Por exemplo, quando entrevistado em 2011 sobre a exposição intitulada Alma de Borracha: Estética e Técnica Alinhadas com a Moda, com curadoria da Fundação Pirelli na La Triennale di Milano (21 de junho a 24 de julho de 2011), ele disse: “Nesta exposição completamente intangível, feita de imagens, história e interpretação, não vemos o retrato da moda, mas sim um retrato da imagem da moda. E é precisamente isso que deixa sua representação tão relevante hoje.” “...Como já dissemos, não existem objetos, somente representações, a fim de que mudemos nosso foco do aspecto tangível da moda para o nível dos sonhos. Na verdade, a moda evoca e produz sonhos, principalmente agora.”