Selfies, paisagens, vistas urbanas, as comidas que estamos prestes a comer: nós colocamos cerca de dois bilhões de fotos na Internet todos os dias, ou, para ser mais específico, 657 bilhões de imagens por ano (essa estimativa foi divulgada pela Internet Trends, e é provavelmente uma das mais baixas). Na era dos smartphones, dois bilhões e meio de pessoas em todo o mundo têm o equivalente a uma câmera em mãos o tempo todo. O resultado é que tiramos, a cada minuto, mais fotos do que todas as fotos tiradas nos 150 anos anteriores à era digital. Na era do Instagram, tudo é imortalizado: a Internet e as mídias sociais são um grande arquivo da vida humana e crescem de forma exponencial.
A arte da fotografia - cuja história começou oficialmente no século 19, apesar de ter se disseminado em grande escala somente durante o século 20 - tem passado por um crescimento gigantesco e sem precedentes. A onipresença de imagens criou uma revolução estética, possibilitada pela tecnologia. Ainda assim, mesmo sem poderem sequer imaginar a existência do smartphone, dois grandes pensadores do século 20 foram capazes de prever desenvolvimentos futuros. Em 1973, Susan Sontag, a famosa crítica norte-americana, publicou Ensaios sobre a fotografia, escrevendo que: “É por meio da foto que uma pessoa armazena o mundo, representa seu desejo de tê-lo”. De forma semelhante, em 1980 o renomado filósofo francês Roland Barthes publicou um ensaio intitulado A Câmara Clara, reconhecido ainda hoje como a “bíblia” da interpretação das imagens fotográficas, com suas definições esclarecedoras sobre punctum e studium.
Mas como surgiu essa forma de escrita usando a luz (do grego φῶς, φωτός, luz, e γραφία, escrita), essa armadilha para captar a realidade, sem a qual hoje nossa vida cotidiana e mesmo nossas relações seriam completamente diferentes? Considerando que os primeiros experimentos de que se tem notícia datam de Aristóteles e Leonardo Da Vinci, fica difícil estabelecer o momento inicial da história da fotografia com precisão, mas não há dúvida de que o crédito [pela invenção da fotografia moderna] pertence a um francês. Em 1830, Louis Mande Daguerre inventou o daguerreótipo, enquanto seus dois compatriotas e contemporâneos, Antoine Hercules Romuald Florence e Hippolyte Bayard - considerados por alguns como os verdadeiros inventores da fotografia - foram os primeiros a serem chamados de “fotógrafos”.
Contudo, seria apenas nas primeiras décadas do século 20 que a fotografia encontraria aplicação comercial, e daí alcançando a população em geral. Seu uso mais comum consistia em retratos, obviamente ainda em preto e branco. Contudo, esses retratos fotográficos eram um privilégio da elite. Para a classe média, eram um luxo que só podia ser bancado em raríssimas ocasiões. “Naqueles anos, ser fotografado não era um evento comum. Para muitas pessoas, era algo que só acontecia uma vez na vida”, declara o crítico Jonathan Jones. Isso põe em perspectiva o número de retratos e autorretratos que nos acompanham cotidianamente.
De fato, se hoje podemos tirar tantas selfies com qualquer celular, isso se deve a um processo que começou nos anos de 1930 e continuou até os de 1950, quando a primeira câmera com exposição automática foi inventada e novos tipos de filme começaram a melhorar a qualidade da imagem e a facilidade de manuseio das câmeras, que também - e talvez mais importante - começaram a evoluir para tamanhos mais portáteis, datando a um período bem distante de alguns modelos favoritos de câmeras SLR.
Entretanto, foi graças à difusão de snapshots (fotografias sem preparo prévio) durante os anos de 1970 que a fotografia se tornou um fenômeno de massa para valer. Não por acaso, é nesse período que Sontag e Barthes escrevem sobre o assunto. Na realidade, as palavras de Sontag parecem antecipar os impulsos que levariam à criação de tantos arquivos imensos de imagens que hoje formam os canais de mídias sociais, do Instagram ao Facebook: “A fotografia traz consigo a grande consequência de nos dar a sensação de sermos capazes de armazenar o mundo inteiro em nossas mentes, como uma antologia de imagens. Colecionar fotografias é colecionar o mundo”. Em A Câmara Clara, Barthes escreve que as obras fotográficas compõem “o detalhe absoluto”, pois “o que a fotografia reproduz ao infinito só ocorreu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente”.
A fotografia digital, que começou a se disseminar nas primeiras décadas do novo milênio com câmeras ultracompactas que logo se tornaram smartphones, trouxe consigo grandes desafios [no desenvolvimento da fotografia]. Embora sua popularidade tenha sido renovada por fotógrafos de moda recentemente, o uso de filmes e fotos impressas foi bastante arquivado pelo público. Por outro lado, as imagens digitais vêm aumentando de uma forma impensável para a era da fotografia analógica. Tiradas com apenas um clique, enviadas para a Internet e compartilhadas instantaneamente, a substância das imagens fotográficas se torna mais intangível e abstrata que nunca, sendo algo cada vez mais hipnótico e difundido. Hoje, mais do que nunca, fotografar significa “reproduzir ao infinito” (Barthes) na tentativa desesperada e irresistível de “colecionar o mundo”, como diria Sontag.