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Jean–Michel Jarre: inovação na música

“O compositor de música eletrônica francês Jean–Michel Jarre nasceu em 1948 em Lyon, estudou música com Pierre Schaeffer e desde então tem colaborado com os mais importantes inventores e pioneiros do mundo da música. Max Dax se encontrou com Jarre em Berlim para relembrar e discutir 68 anos de constantes desafios e inovações na música. O resultado é uma avaliação única sobre a indústria da música, suas mudanças e inovações, e também sua própria carreira como um dos inovadores musicais mais influentes do mundo.”

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A história da música eletrônica começou com a invenção do microfone e da fita magnética e chegou à inteligência artificial em menos de 100 anos. Estamos falando de várias sequências de evolução que moldaram e mudaram a cara da música para sempre. O tipo de música eletrônica que represento remonta aos tempos do futurista Luigi Russolo, que escreveu seu manifesto “L'arte dei rumori” em 1913. O compositor francês Pierre Schaeffer então proclamou a ideia de musique concrète no final dos anos 1940 em Paris. E por último, mas não menos importante, Karlheinz Stockhausen, que começou a compor em Studio für Elektronische Musik em Colônia nos anos 1950. 

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Essas pessoas criaram as bases para tudo que tenho feito desde então. Ao inventar o conceito de musique concrète, Schaeffer criou a teoria da música eletrônica e deve ser eternamente reverenciado por isso. Foi ele que definiu a etapa evolucionária mais importante da música no Século XX, dizendo que pode haver música além das notas e da partitura. Ele basicamente introduziu a ideia de que sons concretos também devem ser considerados música. Música é som. Essa foi sua mensagem. E como todos sabem, esse conceito mudou fundamentalmente o formato da música. Cada músico eletrônico, cada compositor e DJ é um designer de som nos dias de hoje, ou seja, um descendente de Pierre Schaeffer. 

Obviamente, o desenvolvimento da tecnologia acabou ajudando a chegarmos a essa visão. Mas lá atrás, a ideia de um músico que, como um artista que pinta cores na tela, pode inventar sua própria música, ainda habitava o mundo da fantasia. Proclamar sons como música era uma revolução em si. Depois disso, vieram a revolução digital, o computador e o código binário, que não apenas mudaram e aceleraram nossa vida cotidiana como também o mundo da música e da composição de maneira absurda. 

Procuro e experimento novos instrumentos e tecnologias, novos plug-ins e softwares sempre que são introduzidos no mercado – aliás, geralmente acabo usando-os antes mesmo de serem lançados. A beleza dessa evolução constante é que os ‘velhos' instrumentos que utilizava quando comecei há mais de 40 anos não se tornaram obsoletos nesse meio tempo. Ainda têm suas qualidades sonoras específicas e muito próprias. Isso serve para os sintetizadores da EMS, assim como para o violino Stradivarius. Até hoje ninguém fez um violino melhor. Diferente, sim, mas melhor?

Nesse sentido, o pioneiro Peter Zinovieff vem à mente. Ele inventou o sintetizador VCS 3 em 1969 – uma verdadeira revolução. Pessoas como ele abriram as portas para novos conceitos de composição. O mesmo pode ser dito sobre o Roland TB-303 inventado pelo engenheiro japonês Tadao Kikumoto. Todo o movimento acid house foi construído com os sons que alguém poderia tirar daquela pequena ‘caixa de Pandora'. Todos esses inventores – e também temos que mencionar Robert Moog nesse contexto, sendo ele o ‘padrinho' do sintetizador – foram ativos nos anos dourados do Século XX, entre 1950 e 1970. Foram os verdadeiros inventores dos instrumentos eletrônicos, porque antes deles não havia nada, a não ser o órgão de igreja que muitos consideram ser o precursor de uma máquina de fazer sons. Antes disso havia pedaços de madeira com cordas ou tambores cobertos com peles utilizados para batucar.

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Essa é a beleza da contínua evolução tecnológica: nada substitui nada; tudo adiciona novos aspectos à tecnologia existente. No palco ainda uso o sintetizador Moog – um dos primeiros sintetizadores construídos. Mas o uso em conjunto com dispositivos contemporâneos de primeira linha. Uso computadores avançados para controlar minhas máquinas e até mesmo projetei uma interface em conjunto com o pessoal da minha equipe que pode ser considerada coisa do futuro. Então, a próxima etapa na evolução da música obviamente será inteligência artificial. Compus e gravei meus dois últimos álbuns Electronica I e Electronica II com uma grande variedade de colaboradores – inclusive Robert Del Naja do Massive Attack, Edgar Froese do Tangerine Dream e Jeff Mills, um dos inventores do Techno de Detroit. Mas quem sabe? Talvez meu próximo colaborador seja uma máquina ou um algoritmo? Já sabemos que em 20 anos os computadores serão mais poderosos do que o cérebro humano. Espero estar vivo para ver isso.

Temos duas opções para visualizar esse processo: podemos considerá-lo uma tragédia e entender nossa atual era como um período pré-Exterminador do Futuro, que nos levará a sociedades movidas por máquinas e não mais humanos, ou podemos vê-lo como uma benção e ter fé na raça humana, que no passado se mostrou flexível para lidar com a tecnologia, crescendo e evoluindo com ela. Pessoalmente, não vejo a hora de colaborar com instrumentos digitais cada vez mais inteligentes. 

Dito isso, cada obra musical relevante lançada nos últimos quarenta ou cinquenta anos foi importante porque superou a tecnologia pura. Em outras palavras, cada plug-in, instrumento ou computador é apenas uma ferramenta. Se quiser criar música duradoura, terá de encontrar uma forma de definir sua linguagem musical única. É como descobrir sua impressão digital musical. Os formatos foram o resultado desses esforços individuais. Por causa do piano temos o concerto. Por causa de Elvis Presley temos o formato do single de três minutos e o jukebox. E pelo fato de a Native Instruments ter inventado o plug-in “Massive”, hoje temos o estilo dubstep. Goste ou não, a tecnologia sempre veio primeiro. Só então chegaram os músicos experimentaram os instrumentos e com mais frequência surgiram os resultados mais pungentes a partir do uso desses instrumentos indo contra as tendências ou pelo menos contra a ideia original do seu criador de como deveriam ser utilizados.

Deixe-me dar um exemplo específico da minha experiência profissional quando aconteceu exatamente o contrário. Há décadas tive uma visão muito clara de como determinadas coisas têm de ser para que eu possa utilizá-las e incorporá-las em meus conceitos. Com o passar dos anos sempre compus ambientes sonoros complexos – camadas e camadas de música que se desdobram tridimensionalmente como sons. Sempre quis traduzir isso na cinematografia 3D e design de palco tridimensional virtual para os meus shows. Mas a tecnologia 3D como a conhecemos ainda não é capaz de permitir essa experiência. Então, estou trabalhando com meu pessoal e efetivamente tentando criar mundos tridimensionais virtuais que não obriguem as pessoas a utilizar óculos 3D. Estou falando de uma experiência visual total, e todos sabem que é questão de tempo para que essa tecnologia chegue ao mercado. Sei do que estou falando. Já usei projeções 3D no passado. Mas para mim, essas projeções eram meros truques, comparáveis aos primeiros passos do filme em celuloide, quando os irmãos Lumière apresentavam seus primeiros curtas em arenas circenses. 

Outra coisa que me interessa é a flexibilidade. Atualmente estou viajando pela Europa apresentando meus dois álbuns Electronica, bem como a terceira parte da minha série Oxygène. Gosto muito de sair em turnê. Já as fiz no passado e protagonizei alguns concertos espetaculares em locais específicos. Mas só agora, no Século XXI, é que consigo espontaneamente alterar elementos visuais ou sonoros do meu show se assim desejar, porque a tecnologia finalmente atende às minhas necessidades de músico espontâneo. É a primeira turnê em que posso relaxar e me divertir no palco, porque posso contar com tecnologia elaborada e sofisticada que me permite ser humano. Esse é o motivo pelo qual minha atual turnê me causa tanta satisfação e inspiração: posso reagir às minhas ideias e sentimentos sem ter mais que me preocupar se as coisas são possíveis ou não. Pode parecer bizarro, mas é graças à tecnologia que não sou mais escravo dela.